Nos últimos cinco anos, vimos crescer exponencialmente os negócios de cafeteria no Brasil. Não somente nas capitais, mas também no interior, são centenas de exemplos de novos negócios. Eles surgem e empreendedores que passam a investir no café.
Na falta de pesquisas mais oficiais sobre o número de cafeterias que abrem as portas no país, ficamos aqui com o sentimento de que o setor cresce muito anualmente. Como catalizadores que somos de boas iniciativas na área, temos recebido dezenas de contatos e histórias. Elas começaram com um sonho, com um desafio ou por pura paixão por café.
Também sabemos, de acordo com pesquisas do Sebrae, que cafeterias e negócios similares são os que mais abrem. Mas, também, os que mais fecham no Brasil.
Não basta só amar café. Pensando nisso, reunimos aqui os 10 passos para planejar uma cafeteria. Nossas dicas são focadas para empreendedores que queiram investir em um modelo de serviço alinhado com a terceira onda do café.
Essa reportagem é um compilado das nossas experiências como mídia segmentada. Nela há o que consideramos muito importante levar em conta antes, durante e depois de abrir a sua própria cafeteria.
Se você tem esse sonho ou conhece alguém, fique atento a essas informações.
Plano de negócios
De acordo ainda com o guia Como Elaborar um Plano de Negócios, do Sebrae “de cada 10 empresas formalizadas 7 sobrevivem no Brasil após dois anos da abertura”.
Por isso, é “tão importante realizar um plano de negócio. Ele é o instrumento ideal para traçar um retrato fiel do mercado, do produto e das atitudes do empreendedor, o que propicia segurança para quem quer iniciar uma empresa com maiores condições de êxito ou mesmo ampliar ou promover inovações em seu negócio”.
E o que é um plano de negócio?
Para Cláudia Pavani, o plano de negócio é um documento que descreve por escrito os objetivos de um negócio. E também quais passos devem ser dados para que esses objetivos sejam alcançados, diminuindo os riscos e as incertezas.
Um plano de negócio permite identificar e restringir seus erros no papel, ao invés de cometê-los no mercado, segundo o livro Plano de Negócios: um guia para o voo da sua empresa).
O ideal é que o próprio empreendedor se envolva diretamente na preparação do seu plano de negócio.
Elaborando pessoalmente o seu plano de negócio, você tem a oportunidade de preparar um plano sob medida. Isto baseado em informações que você mesmo levantou e nas quais pode depositar mais confiança. Quanto mais você conhecer sobre o mercado e sobre o ramo que pretende atuar, mais bem-feito será seu plano. (extraído de Como Elaborar um Plano de Negócios)
Etapas do plano de negócio
Esta etapa de planejamento é muito importante para qualquer negócio e em qual setor. Então, mãos a obra. Pense nestes pontos e defina de forma bem objetiva:
- o que é o negócio;
- quais os principais produtos e/ou serviços;
- quem serão seus principais clientes;
- onde será localizada a empresa;
- o montante de capital a ser investido;
- qual será o faturamento mensal;
- que lucro espera obter do negócio;
- em quanto tempo espera que o capital investido retorne.
Passos para abrir sua cafeteria
Como o nosso negócio aqui é uma cafeteria, separamos os 10 principais passos para que você inicie de forma bem direcionada e evite alguns erros básicos.
1. Ponto Movimentado
A fala emblemática do fundador da Starbucks, Howard Schutlz, ao ser indagado quais eram as três principais dicas para abrir uma cafeteria: “o ponto, o ponto, o ponto”, é seguida por milhares de empreendedores pelo mundo.
Além disso, é preciso também construir uma comunidade local, pessoas que se identifiquem com o seu espaço e tornem-se clientes habituais, que multipliquem a experiência com outros amigos e amigos dos amigos.
Marco Suplicy, do Suplicy Cafés Especiais, antes de inaugurar sua loja-conceito no bairro dos Jardins, em 2003, teve a consultoria da especialista Sherri Johns, ex-executiva da Starbucks, que deu a dica que ele contasse quantas pessoas passavam na frente da loja por dia para ver a viabilidade do negócio. Essas e outras informações são importantes para garantir um movimento logo no início.
Se o lugar for longe do movimento e essa não seja uma realidade possível para o seu negócio, invista muito em mídia espontânea, em redes sociais e até em anúncios. Lembre-se: seu negócio não vai dar certo só para seus amigos. É preciso muito mais que isso para fazer rodar seu ticket médio. A fórmula mágica não existe, mas podemos chegar perto dela.
2. Lugar compacto
Pense grande, mas comece pequeno. Uma das maiores dificuldades para o setor de cafeterias é a mão de obra especializada de barista, cozinheiro e atendentes. Por isso, tente ser o mais enxuto possível, principalmente se você não tem experiência na área. Um lugar pequeno pode não comportar muita gente, mas também é mais fácil para operacionalizar. Veja o exemplo de bikes e trucks que surgiram nos últimos três anos. São negócios enxutos que trabalham de duas a três pessoas. Transfira esse conceito para um ponto fixo, que tem aluguel (se você não tiver esse gasto, perfeito), e pense que você pode ser o barista, ou o caixa, ou trabalhar com um sócio. Foi o caso do Beluga Café, em São Paulo, que trabalha com uma equipe pequena, porém os proprietários foram buscar cursos na área e aprenderam o ofício de barista.
Tente introduzir algumas opções para seu cliente levar, como copos “to go” para dar mais vazão ao seu público. Também pense em aproveitar ao máximo o espaço com mesas coletivas, banquetas e balcões laterais, além de bancos externos e áreas ao ar livre. Crie pequenos recantos que possam agradar quem vem fazer uma reunião, trabalhar ou ainda tomar apenas um café da tarde.
A decoração do lugar e o que vai oferecer também é determinante para o perfil do público que quer receber. Se não quiser que façam reuniões no seu espaço ou que fiquem com computadores na mesa, não ofereça wi-fi, por exemplo. Tomadas próximas à mesa são chamariz para clientes ficarem por mais tempo. Qualquer decisão desse tipo são detalhes que mudam completamente o comportamento de quem frequenta seu espaço. Prateleiras com produtos ao alcance do cliente e próximo ao caixa ajudam na venda de utensílios, pacotes de café, presentes, acessórios, etc.
3. Equipe competente
Esse item tem relação com o anterior e é um dos mais importantes. Se você for empregar outras pessoas, entenda que hoje há cada vez menos jovens que procuram trabalhar atrás do balcão. Primeiro busque esses profissionais em grupos do setor, peça indicações para empresários da área ou aposte em pessoas que não têm nenhuma formação anterior na área de café. Nessa última sugestão você terá de investir na formação do barista e, acredite, provavelmente essa pessoa vai aprender muito e pode te deixar assim que tiver uma proposta melhor. Isso é do mercado e vai acontecer.
Para evitar e tentar reter seus colaboradores planeje bem quais serão seus benefícios, tente traçar um plano para ele e deixe muito claro seus objetivos desde o começo. Tente construir junto com ele a cultura da sua empresa.
Segundo artigo de Daniel Castello, consultor e palestrante nas áreas de Estratégia e Gestão de Pessoas: “Desenvolver conscientemente a cultura de uma empresa não é fácil. Tem a ver com a consistência como geramos e atendemos às expectativas criadas. Com os exemplos que criamos. Com as decisões que tomamos. Com as histórias que contamos. E, principalmente, com as pessoas que contratamos e as que mandamos embora. Pouco a pouco as pessoas passam a compreender, espelhar e multiplicar o que valorizamos até que se torna uma segunda natureza da organização ser daquele jeito. E a cultura então se estabiliza.”
4. Espaço moderno
Uma das principais características das novas cafeterias do movimento “terceira onda” têm no espaço sua principal mensagem. Busque referências internacionais e nacionais antes de abrir sua cafeteria.
Se possível, contrate um arquiteto que possa transmitir para o seu local o que você quer comunicar aos seus clientes. Além da parte “visual” do espaço, o profissional que for projetá-lo também deve ter experiência com o plano hidráulico, elétrico e dar dicas dos mobiliários mais adequados.
Quem já fez reforma em casa sabe o quanto isso é importante. Para definir também o fluxo do local e a operação do seu espaço é preciso ter em mente o seu cardápio, pois se você for precisar de uma cozinha mais sofisticada, espaçosa para a produção de almoço, por exemplo, sua loja terá uma identidade; caso a sua opção seja por comidas rápidas que exijam apenas um forno elétrico, é outra estrutura.
Hoje a tendência de cafeterias modernas é que o ambiente seja todo aberto, de preferência com a área de preparo a mostra para os clientes, balcões circulares, retangulares, com tudo exposto. O cliente quer cada vez mais viver a experiência de acompanhar seu café ficar pronto.
5. Cardápio pequeno
Se o seu foco é o café, procure trabalhar com um cardápio simples e de fácil execução. O café exige muita atenção e a balança do seu tempo precisa sempre pender mais para ele. Por isso, determine desde o início o perfil do seu estabelecimento. O horário de abertura também ajudará muito nisso. Em São Paulo, por exemplo, têm muitas cafeterias que abrem após às 10h, mas fecham mais tarde. Outras abrem logo cedo e fecham antes das 18h. Tudo isso vai depender do público que você quer atender e do tipo de comida que quer oferecer.
As cafeterias “terceira onda” são, muitas vezes, parte de um passeio turístico pela cidade, portanto pense se é o perfil do seu negócio ficar aberto sábado e/ou domingo. Isso pode te ajudar a formar um público fora do seu bairro. Além disso, não há mal nenhum em você alterar o horário de funcionamento conforme for entendendo melhor o seu movimento e o fluxo de pessoas. Aliás, isso é mais normal do que se imagina.
6. Equipamentos de ponta
Com a definição do cardápio mais encaminhada, a dica é tocar de forma paralela a escolha dos equipamentos que vão te auxiliar no dia a dia da cafeteria. Desde a máquina de espresso, a de lavar-louça, o forno elétrico ou a gás, o torrador (se for investir), os equipamentos para a extração do café.
Esse primeiro enxoval é importantíssimo para a definição também das louças, pratinhos, xícaras de diferentes tamanhos, enfim. Tudo está integrado, claro. Dependendo do cardápio que for criar, tenha em mente que será necessário definir a quantidade de cada bebida e, com isso, as xícaras que irão atender esse seu cardápio, por exemplo.
O planejamento da ação de cada etapa é importantíssimo para não errar na compra de um tipo de xícara que não atenderá ao seu cardápio. Para te auxiliar trabalhe com listas dos produtos, quantidades e check-lists de compra, pesquisa de preço e fornecedor.
Além das listas, faça separadamente a planilha de investimentos fixos (como máquinas, equipamentos diversos, móveis, utensílios), custos fixos operacionais (mão de obra, água, luz, aluguel) e dos variáveis (insumos, café, comidas, bebidas).
7. Café de qualidade
Está como sétimo ponto, mas poderia estar em primeiro lugar. O café é a grande atração e a estrela do seu negócio. Da mesma forma que você vai pesquisar para comprar seus equipamentos, reformar seu espaço e montar seu cardápio, faça um planejamento minucioso para escolher o seu café.
Para se posicionar no padrão de cafeterias que atuam no mesmo setor que o seu, invista em grãos de procedência, estude a região, a origem do café, a história de cada família envolvida com o processamento. Invista em cursos no setor para atender a um consumidor cada vez mais conhecedor e questionador do que está comprando.
Conheça fazendas produtivas de café, faça relacionamento com outras pessoas do mercado. Seu diferencial estará neste contato e na definição do perfil de cafés que vai trabalhar: microlotes selecionados por você e sua equipe, serviço com marcas já consagradas e experientes, parceria com microtorrefações que irão te abastecer com novos cafés.
8. Torrar ou não torrar?
Se optar por ter um equipamento de torra dentro da cafeteria, avalie bem se o seu conhecimento justifica o investimento. Uma opção pode ser contratar algum consultor que poderá te auxiliar no início.
A torra é um dos pontos mais sensíveis após as etapas produtivas na fazenda. É preciso bastante experiência para definir os perfis de torra dos grãos. Cada safra, cada lote e cada café são novos aprendizados. Não hesite em procurar ajuda neste ponto ou ainda postergar um pouco esse investimento para uma segunda etapa do seu negócio, se for o caso.
Há também os casos inversos, de microtorrefações que passaram a atender ao público. É o caso, por exemplo, da empreendedora e barista Isabela Raposeiras, que começou com cursos e torra de café para, anos depois, mudar de lugar e abrir o Coffee Lab, em São Paulo (SP). Assim como a Academia do Café, em Belo Horizonte (MG) e a 4Beans, em Curitiba (PR) e outros exemplos.
Esses lugares também têm em comum o fato de terem investido na área educacional. Oferecem cursos dos básicos aos avançados e agregam valor e credibilidade a própria marca. Hoje há muitas cafeterias que já abrem oferecendo cursos para os clientes.
Um ponto de atenção nesses casos é ter o cuidado de replicar as informações com a certeza de que você tem total conhecimento. Caso não se sinta preparado para ministrar cursos, use seu espaço para convidar um especialista. E a partir dai realize uma parceria com ele enquanto você ganha know-how no setor.
9. Métodos de Preparo
Além do espresso e suas variações, não há hoje como pensar uma cafeteria sem, pelo menos, dois tipos de métodos filtrados de preparo. Os já mais comuns como o japonês Hario V60, a Aeropress e a French Press estão presentes na maior parte dos novos empreedimentos.
Outros, novidades para maioria dos consumidores, como Clever, Chemex, Globinho, Kalita Wave são só alguns exemplos de como é possível aumentar o ticket médio do estabelecimento. Pois agregam valor a estas experiências, com cafés exclusivos e dedicados para os métodos.
Esses podem servir grupos, casais e proporcionar experiências individuais. Dão mais flexibilidade para o cardápio e incentivam o cliente a retornar para conhecer outras opções a cada visita. Exemplos de cafeterias que oferecem cardápios com vários métodos e extensos são o Lucca Cafés Especiais, em Curitiba (PR), o Octavio Café, em São Paulo (SP) e o Feito a Grão, em Salvador (BA).
Tenha cuidado na escolha de muitos métodos, pois há um tempo específico para o preparo. Também pode haver dificuldade no operacional com a equipe enxuta. E as receitas precisam estar pré-definidas com dosagem do café, proporção de água e tempo de extração, além da quantidade de equipamentos para servir vários clientes ao mesmo tempo.
10. Planejamento financeiro
Todas essas ideias só serão possíveis se, dentro do plano de negócio, for feito um detalhado planejamento financeiro. Para isso procure ajuda de um profissional, caso não seja você a pessoa mais experiente nesse ponto.
São vários os passos para chegar a esse plano. Mas, de acordo com o Sebrae, um dos pontos mais importantes é considerar o capital de giro. Este é, segundo o guia deles: “um recurso financeiro que toda empresa deve ter. Ele deve ser utilizado no início de suas operações. Isto com o objetivo de cobrir os gastos durante os primeiros meses. Normalmente, no início, o faturamento é inferior às despesas.
É uma importante ferramenta para a tomada de decisões. O capital de giro está diretamente relacionado ao ciclo operacional da empresa. Portanto, a política de crédito comercial, o volume de vendas e o nível de estoques que ela precisa manter são os fatores que irão determinar o volume de capital de giro necessário a ser utilizado por uma empresa. Uma administração ineficiente poderá afetar de forma drástica o fluxo de caixa da empresa”.
Um bom planejamento financeiro indica quanto tempo será necessário para que o negócio tenha retorno do investimento. Ele indica possibilidades de cenários pessimista, otimista e moderado. Para isso todos os custos fixos, com os valores mensais estimados, devem ser listados para facilitação de cálculos.
O empreendedor deve então, dentro do plano financeiro, encontrar um ponto de equilíbrio. O que represente a quantia de receitas, ou unidades vendidas. Isto irá cobrir todos os custos. O ponto em que a receita total é exatamente igual aos custos totais.
Matéria Publicada originalmente na Revista Espresso – edição 54 - 2017
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