Causar impacto positivo e ampliar a perspectiva das sociedades de forma sustentável é o sonho de negócio de muita gente. Alie isso à possibilidade de criar renda para os indivíduos envolvidos em toda cadeia produtiva, e temos o formato dos negócios sociais. Eles têm foco na solução de questões sociais, sem perder de vista o contexto empreendedor dinâmico, com seus desafios e possibilidades diversas. É sobre isso que Gabriela Crego, do Na Ação fala na entrevista deste mês. Confira.
1. Para começarmos é preciso esclarecer o básico. Como se define um negócio social hoje no Brasil? Pode citar exemplos de negócios sociais e a forma como atuam?
Negócios sociais são empresas que nascem com o objetivo de resolver um problema social. Eles são autossustentáveis no longo-prazo, ou seja, conseguem gerar a própria receita com a venda de produtos ou serviços. Isto é feito para cobrir todos os custos, sem depender de doações.
São empresas em que o sucesso é medido pela ampliação do impacto socioambiental, que é gerado. E também pelo lucro que vem como meio para manter a roda girando.
Hoje no Brasil temos alguns exemplos de negócios sociais. Eles foram construídos por pessoas que têm brilho no olho para transformar a nossa realidade e ganhar dinheiro com isso. São exemplos disto: Moradigna, a Saladorama e a TC Idiomas.
A Mordigna nasce para proporcionar moradia saudável. E também para evitar doenças que o mofo e a umidade dentro de casa podem causar. Eles atuam realizando reformas rápidas em comunidades (cerca de 5 dias) e parcelada em até 12 vezes. Isso porque perceberam que esse era a forma de entregar valor para o seu público de uma maneira que eles conseguiriam pagar, sem afetar a saúde financeiras das famílias.
O Saladorama nasce com o propósito da democratização do acesso à alimentação saudável e de qualidade. Eles criaram dentro das comunidades cozinhas para empregar e treinar os moradores locais. E assim, fornecer alimentação saudável a um preço acessível para os moradores. Nesse caso, atuam com o impacto na cadeira produtiva e com o consumidor final.
Já a TC Idiomas acredita no desenvolvimento social por meio da educação. Então, eles tornam o ensino de inglês acessível para todos, adotando uma estratégia de preço variando de acordo com a renda de cada um dos alunos.
2. O que uma empresa considerada “negócio social” faz que a torna única em seus serviços?
O grande x da questão para saber se a empresa é um negócio social é o porquê ela nasce. E também o problema que ela resolve. Além disso, algumas características são importantes como: ter o foco na população de baixa renda, ter a intenção de resolver um problema social, ser rentável, Ou seja, ter receita própria, e ter impacto social relacionado à atividade principal.
3.Do ponto de vista da gestão financeira, como um negócio social se sustenta? Qual é sua forma de angariar recursos para manter a empresa e fazer com que ela cresça?
Não existe uma receita para isso. Depende de vários contextos. Mas o principal é entender que como qualquer outro negócio, os negócios sociais focam em vender produtos e serviços para se monetizarem (a única diferença é que o objetivo principal não é o lucro).
Existem outras formas de captar recursos, como participação em editais e patrocínios, mas o importante é diversificar ao máximo as fontes de receitas para não ficar refém de uma única empresa, ou entidade.
4. No dia a dia de um negócio social, como é feito o planejamento financeiro?
No final do ano, iniciamos o planejamento do ano seguinte. Nesse momento levantamos nossas prioridades em termos dos produtos que vamos focar, e levantamos todos os custos para fazer isso acontecer.
Trimestralmente reunimos a equipe gestora para rever o nosso planejamento financeiro. Na velocidade que as coisas mudam, não vale a pena engessar em planejamento ao longo do ano.
Estamos sempre revendo nossos custos na tentativa de reduzir, e focar nossos recursos onde queremos chegar estrategicamente.
5.De forma geral no mercado, as empresas tentam ser “exclusivas” naquilo que oferecem. Isso vale para os negócios sociais?
Negócios sociais se comportam da mesma forma que os negócios tradicionais. De um modo geral, não vejo a exclusividade como algo que norteia os negócio de hoje em dia, até porque o acesso à informação permite que as pessoas copiem, o que é positivo no sentido de que isso sempre nos força a inovar.
Eu acredito mais a capacidade de fazer parceria com negócios similares, pensar de forma complementar com quem já atua no mesmo segmento e unir forças para crescer junto.
6. Para os negócios sociais, existe concorrência? Como as empresas sociais se posicionam em relação a isso?
A concorrência existe, como em qualquer outro segmento. Mas, no geral, sabemos que estamos caminhando rumo à relações mais pautadas na colaboração e abundância. Para quem quer trabalhar com impacto social conseguimos enxergar um cenário de abundância de oportunidades para serem trabalhadas. E o olhar de como conseguimos colaborar e crescer junto é muito presente e real. Lógico que não podemos esquecer de pensar em diferenciais competitivos para nos manter sempre entregando valor para nosso cliente. Isso é feito entendendo-se a demanda dele, e adaptando nosso produto ou serviço para isso.
7.Os negócios sócias são escaláveis? Sua margem de ganhos aumenta de acordo com o tamanho de seus projetos?
Existem negócios sociais escaláveis e outros locais. Não é uma característica exclusiva serem escaláveis. No caso dos escaláveis é possível reproduzir o impacto em grande escala sem aumentar os custos e ter um aumento da margem de ganho. Além disso, na maioria das vezes, existe investimento de tecnologia por trás.
8.Aproveitando que você falou em tecnologia, de que forma ela é utilizada nos negócios sociais?
Percebo que é algo muito pouco explorado. Ao alinhar negócios sociais com tecnologia, falamos de um cenário muito positivo que conseguimos gerar grandes transformações sociais, unindo o potencial da escalabilidade com o impacto socioambiental.
Já existem alguns exemplos de negócios sociais que atuam com serviços na área de educação, usando inteligência artificial. Eles fazem isso para conseguir atender de forma customizada e direcionada nos problemas específicos dos clientes. E, ao mesmo tempo utilizam uma plataforma padrão que permite a escalabilidade.
9. Aproveitando a temática: as mídias sociais costumam ser um desafio para os negócios. Isso vale para os negócios sociais?
Um marketing bem feito, construído pensando na pessoa com quem se quer comunicar, em qual momento e qual mensagem passar, é extremamente importante para os negócios sociais. Isto porque ajuda a se posicionarem de forma relevante no mercado de atuação, com autoridade, reconhecimento e transparência. Percebo que no geral poucos negócios usam o meio digital da melhor forma. Mesmo que hoje seja algo acessível para a maioria das pessoas. O que acontece é a falta de tempo dos empreendedores para focarem no marketing e uma execução sem estratégia bem definida por trás.
10. O planejamento é um ponto fundamental para os negócios de forma geral. Como você percebe a organização das ações dos negócios sociais no Brasil?
Isso depende muito do empreendedor que está a frente do negócio. Já vi negócios que viraram com e sem planejamento. A grande diferença está no tempo que os negócios viram. Sobre o planejamento é muito importante pra qualquer negócios, mas o mais importante é a ação após o planejamento, ou seja, a capacidade de execução com o olhar para onde querem chegar.
11. Em um contexto de crise, como um negócio social supera as dificuldades e continua executando suas atividades de valor para a sociedade?
Os negócios social têm a lógica de qualquer outra empresa. Se estamos em crise, é necessário pensar formas de reduzir os custos ou diferenciar ou produtos ou serviços. Vale ter atenção nesse ponto para nunca deixar o negócio social se tornar refém de uma fonte única da receita. Isto vale para quem tem uma empresa patrocinadora ou um único cliente que paga todas as contas.
Já vivenciei várias situação que o negócios sociais fecharam pois dependiam exclusivamente de um único cliente, que durante a crise saiu e o negócio não conseguiu se manter. Por isso é importante diversificar ao máximo as fontes de receita.
12. Para quem quer abrir um negócio social e impactar positivamente a sociedade, quais dicas você daria?
Primeiro encontre o porque, o que te motiva e o que te move. Depois, é muito “converse com várias pessoas” sobre a ideia para encontrar as pessoas certas, com habilidades complementares para seguir nessa jornada. Coloque a mão na massa sempre. Faça, teste sua ideia, mude se for preciso. Mas não deixe de ir para a ação. Tenha sempre o olhar para aprender com os resultados e sempre melhorar.
13. Para finalizarmos, o que é fundamental as pessoas saberem sobre negócios sociais?
Negócio social não é caridade nem filantropia. É ter a visão de negócio, é ter uma sustentabilidade financeira. É ser competitivo no mercado, remunerar os envolvidos. E, principalmente, fazer o que ama para transformar a realidade de várias pessoas.
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