O mercado da moda por Ronaldo Fraga

24/04/2018 | Empreendedorismo

O setor da moda é um dos principais representantes da economia mineira no Brasil. Quem quer abrir uma empresa neste segmento deve se planejar muito. Para isso, é preciso investir nos diferenciais do negócio e na busca pela agregação de valor. Como entender o segmento de moda pode ser uma tarefa árdua, buscamos a palavra de quem entende deste mercado de forma abrangente e rica. Esta entrevista é com Ronaldo Fraga, que nos fala do mercado da moda como representante da cultura, do povo e de seus valores, mostrando um caminho possível para fugir do senso comum e se destacar no mercado. Confira.

Como você define o segmento de moda no Brasil e em Minas hoje? Qual é sua composição e representatividade?

A moda é muito mais que um vetor econômico. Ele é muito mais que um setor poderoso, como já sabemos. Na verdade, ele é um vetor que sempre oscila como o segundo e o terceiro que mais emprega no Brasil. O setor de moda junto com o setor têxtil é o que mais sofre com as sucessivas crises econômicas. Mas, o mais importante sobre a moda, é entender que ela é um vetor para além do econômico. Ela é um vetor cultural, que fala da formação do povo brasileiro, especialmente do século XX, com a chegada dos italianos e dos alemães no sul. E principalmente, a moda é um vetor que representa a cultura e e também a comunicação de forma muito importante. Minas, historicamente, é um Estado que é respeitado nesse lugar. Pois, conquistou uma posição de respeito com o grupo mineiro de moda dos anos 80 até hoje. A moda mineira é sempre associada com uma força criativa. Quando se espera algo criativo e de vanguarda, já se diz “isso vai vir de Minas”.

Avaliando o mercado de moda, você pode nos falar sobre a evolução do segmento ao longo dos últimos 5 ou 10 anos? Quais são as evoluções que ocorreram e como o desenvolvimento tem se dado no Brasil / Minas Gerais?

A moda brasileira vem padecendo muito nessa década, de 2010 até os dias de hoje. Houve encerramento de grandes empresas. Grandes tecelagens da história do Brasil encerraram suas atividades neste período. O Brasil já teve o melhor algodão do mundo, que hoje não está nem entre os 10 melhores em qualidade. Igualmente já tivemos o terceiro melhor linho do mundo, o que também desapareceu. E, sem dúvidas, houve um encolhimento em todos os Estados. O que inclui Minas. Mas o que aconteceu em aqui, que hoje ocupa um lugar de destaque, é o Minas Trend Preview. Hoje ele é a única feira de atacado, resistindo bravamente no Brasil. O evento tem mobilizado o mercado e tem trazido para Minas compradores do Brasil inteiro. Essa é uma grande novidade por aqui. E isso tem muita importância para o segmento de moda, pois quando se tem um comércio, ou um negócio em qualquer segmento, você estimula também a parte criativa. Isso movimentada todo o setor produtivo.

Em um país como o Brasil, quais são as dificuldades encontradas pelos empreendedores da moda, e como eles superam as barreiras para fazer moda?

Em moda, é preciso entender que não falamos só do consumo final. Falamos de um setor que gera empregos. Há lugares em que isso é um exemplo, como na Índia, que é uma potência na geração de empregos do setor têxtil. Eu acredito que muito da realidade econômica do Brasil poderia ser transformado a partir da produção local brasileira, com destinação a outros lugares. E o setor da moda, se bem trabalhado pode nos levar a este lugar.

No cenário atual, podemos falar que existe moda Brasileira? Ou melhor, podemos dizer que existe moda Mineira?  Qual o papel da produção de Minas Gerais hoje?

Existe moda feita no Brasil e também existe moda feita em Minas. Claro que há particularidades sutis, quando falamos de autoralidade e quando falamos em criação. Isto porque há poucos criadores que estão na ponta da pirâmide, e que conseguem mostrar a identidade dos lugares. Mas a grande maioria, infelizmente, não está neste nível. Ainda há muita cópia. Ainda se tenta fazer produtos parecidos com o que já está na vitrine de grandes marcas com destaque no mercado. Uma das causas disso é a competitividade para atender a crise do consumo. Mas, quando falamos dos criativos, Minas ainda tem uma posição notável no mercado.

Sendo Minas Gerais um produtor de moda, como você avalia a formação de profissionais e empresas deste segmento?

A formação de moda no Brasil ainda é uma formação incidente. Ela segue a cartilha das escolas europeias sucateadas pelos americanos. Então, há pouca prática. Não raro, o estilista sai da escola sem saber se quer a diferença entre um poliéster e uma seda pura. Mas isso é um retrato do ensino mercantilizado que existe em todas as áreas no Brasil.

Considerando o cenário de globalização em que tudo parece se tornar igual, o que as empresas de moda mineira têm feito para se destacar?

As marcas mineiras nesta globalização em geral não têm feito muita coisa. Elas têm copiado a vitrine de grandes marcas. E é muito comum ver estilistas que poderiam ousar, simplesmente repetindo o que já está no fast fashion. Com pouca emoção. Quando justamente o que o mercado pede é o inverso. Passada a euforia da globalização, o genuíno passou a ser artigo de luxo. Aquilo que só é feito por determinada pessoa, por determinado grupo e em determinada cidade.

Do ponto de vista do relacionamento com o cliente, o que as empresas de moda têm feito para prender seus clientes? Quais são os desafios da fidelização de clientes para o segmento de moda?

Este quesito é muito importante. Isto porque é preciso pensar, sobretudo neste momento, que a fidelização ou aquela coisa “fidelização de determinada marca” ainda existe. Agora, muito mais que o produto, porque todo mundo hoje tem acesso aos mesmos tecidos e às mesmas confecções, as marcas precisam trabalhar o intangível.  Elas precisam atuar com aquilo que tem valor, mas não tem preço. Ou seja, aquilo que não sai de uma fábrica, que é a alma de uma marca, e é visão de mundo dessa marca. Cada vez mais, é isso que importa. Pensar em questões como a sustentabilidade, a diversidade e no tempo que estamos vivendo. Isso é o que deve ser feito para se ganhar destaque e conseguir fidelizar clientes.

Para quem é apaixonado por moda e quer entrar para o segmento, sob o ponto de vista de sua experiência, quais são os cuidados que as pessoas têm que tomar para entrar no segmento?

Um bom o conselho, que vale para todas as áreas é: tenha um olhar difuso. Não que o empresário de moda vá sentar na máquina de costura ou vá desenhar, se não for o criador. Mas é importante conhecer todos os processos. É aquilo que eu digo. Trabalho para várias empresas de segmentos diferentes – infantil, feminino, masculino – porque eu acho que essa história de “eu quero trabalhar só com determinado segmento” e fechar ali deixa o profissional muito suscetível às crises. Então, o conselho é: tenha dinamismo e sempre busque atuações diferenciadas.

A moda tem muitos caminhos possíveis, desde a criação até a comercialização. Design, eventos, varejo, produção, como escolher em que área atuar?

É pela diversidade de atividades que existem na moda que eu acho importante a experiência, o estágio. Passar por todas as áreas e não se definir de cara pelo glamour que a moda pode ter, e normalmente acaba seduzindo a grande maioria das pessoas. Ter um pouco de experiência de tudo é fundamental. Hoje, o criador de moda tem que ser um pouco empresário, e o empresário tem que ter um pouco da vivencia do processo de criação para entender o negócio de moda.

Fast fashion ou slow fashion? A preocupação com a moda sustentável chegou para ficar? Ou há espaço para todos os tipos de produção?

Hoje vivemos um mundo muito diverso, o slow fashion é um segmento de luxo. A pessoa paga mais caro, mas ela sabe que a peça tem boa procedência. Eu adoro fazer associações do slow fashion com a produção de alimentos em geral, pensando nos orgânicos e nos alimentos com agrotóxico. Você vai escolher de acordo com seu propósito, sua lição de mundo e o seu bolso. E isso cabe perfeitamente na moda.

De acordo com dados do Sebrae, a maior parte dos negócios de moda do Estado é de confecções. Essa é uma vocação de Minas Gerais, ou uma tendência de mercado?

Esse é um perfil de Minas, porque o Estado nunca se destacou por um número muito grade de tecelagens especialmente aquelas voltadas para o mercado da moda. O que eu acho uma pena. O pouco que nós tínhamos de tecelagem foi migrado para uniformes profissionais. Diferentemente, por exemplo do Estado de Santa Catarina, onde se produz desde o botão, até às etiquetas e os tecidos. Enfim, todos os insumos para uma produção de moda. Minas perde muito com a falta de riqueza nas produções voltadas para o mercado da moda.

Do ponto de vista da gestão, como os negócios de moda se organizam? Há planejamento anual? Quais são as dificuldades do setor?

As dificuldades do setor são muitas. Mas um dos principais pontos é que o setor vive de sobretaxa. O produto de moda produzido no Brasil é caro. Ele vive de sobretaxa desde a produção dos insumos até o consumo final. Então, perdemos em qualidade geral, e especialmente perdemos em qualidade de tecidos de confecção. Isso faz com que o produto final fique mais caro. Esse é o grande problema: os impostos.

Como o empresário deve pensar a escala de seu negócio no segmento de moda?

A escala no mercado da moda vai depender muito dos segmentos que existem no setor. A moda é subdividida em muitos outros segmentos. E também tem a forma de distribuição. Ou seja, a entrega no atacado ou no varejo. Então a escala vai obedecer a isso.

Na sua atuação, como você percebe o uso da tecnologia nos negócios de moda? Esse tem sido um fator decisivo para os negócios?

Sem dúvidas, que sim. Mas eu vejo essa tecnologia hoje aplicada muito em único Estado no Brasil que é Santa Catarina. As empresas lá têm dado um banho no restante do Brasil. A produção em Minas é ainda muito artesanal. O nosso melhor e o nosso pior veem justamente daí, porque é uma marca. A nossa marca vem dessa história. Mas ao mesmo tempo não temos produtividade em escala, o que a tecnologia nos permite hoje.

Falar com o cliente em tempos de mídias sociais é sempre um desafio para os negócios. Existem formas específicas de atuação nas mídias sociais para os negócios de moda?

Mídia social hoje depende do produto, do perfil da marca e do campo de atuação dela. Para alguns negócios, o Instagram é supereficiente, para outras o Facebook, para outras, trabalhar com blogueiras, que têm ditado moda no país, tem sido fundamental. Então, depende da marca. É preciso que se entenda a alma da marca, o perfil dela, o consumidor que ela tem, para se definir o que é melhor. Mas com certeza é uma forma que veio para ficar. Hoje o desfile é importante? É. A revista de moda é importante? É Mas não tão quanto eram antigamente. A força hoje está mesmo nas redes sociais.

Para finalizar, quais recomendações você tem para quem é apaixonado por moda e quer atuar no segmento?

Acho que já respondi essa pergunta antes. O meu ponto de vista é: tenha um olhar difuso sobre o negócio. E tenha um olhar ensimesmado. Crie sempre paralelos com outros segmentos e tenha um olhar para o seu tempo. Eu acredito que com isso você consegue criar um produto com longevidade. E um produto que fale para além de si mesmo, para além da roupa.

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