O conceito do segmento de economia criativa foi definido pelo professor John Howkins, no livro Creative Economy. Para ele a economia criativa contempla atividades nas quais os indivíduos exercitam sua imaginação e exploram seu valor econômico. A economia criativa pode ser definida como “processo de produção, criação e distribuição de elementos. Estes têm como matéria prima: conhecimento, criatividade e capital intelectual.
Neste contexto, vemos pequenas e microempresas que dependem do talento e criatividade de fundadores e funcionários. Isso dá corpo ao segmento da economia criativa. Essas empresas atuam em diversas atividades como artes, artesanato, música, moda, cinema, arquitetura e publicidade. Essas e outras áreas dependem do talento das pessoas que atuam nelas. Confira a entrevista deste mês, com Vinícius Cabral da Cocriativa, e entenda melhor este segmento que tem crescido cada vez mais.
1. Nosso tema é “economia criativa”. Se alguém pedisse para você explicar este termo, o que você diria?
Ao receber esta pergunta, eu diria que, a economia criativa é o conjunto de valores, tangíveis e intangíveis. Eles são gerados pelo trabalho com atividades não-normativas, que constroem o campo cultural-simbólico de determinada sociedade. Neste sentido, compreendo o segmento como muito mais do que a simples união de profissões atreladas a um setor criativo.
Do músico, que lança álbum gratuitamente online, ao artista do grafite, que transforma a cidade, vemos o desenvolvimento de valores. Estes, muitas vezes não são monetizados ou capitalizados. Mas sua carga simbólica expressa a necessidade de repensar a estrutura de concentração econômica na sociedade atual. Mesmo em sua concepção mais genérica, ‘economia criativa’ designa atividades cuja matéria prima é formada por criatividade e capital intelectual. Isso inclui as mais variadas expressões humanas. E não só aquelas que geram recursos financeiros ou já se configuram em indústrias pungentes e lucrativas.
2. Como funciona a economia criativa no Brasil? Você pode nos falar um pouco dos setores da economia criativa?
O Brasil ainda está se acostumando com a ideia da criatividade como motor de geração de renda e empregos. Apesar de hoje alguns setores movimentarem recursos significativos – Audiovisual, Arquitetura, Design- ainda falta muito para a consolidação de políticas. E também falta muito para a autonomia dos setores. Basicamente, alguns setores estão mais consolidados: Audiovisual – Cinema, TV e Web; Arquitetura, Publicidade, Design e a Comunicação Social. Sendo que esses três últimos incorporam empresas do setor de inovação, como startups.
Apesar disso, mesmo os setores mais consolidados enfrentam uma dificuldade muito grande. Isto ocorre porque na economia criativa, há tendência de concentração de recursos, mão-de-obra e incentivo, para poucas empresas.
No Audiovisual, por exemplo, poucas produtoras ao redor do Brasil concentram grande parte dos recursos investidos no setor. As iniciativas de descentralização têm sido fundamentais para mudar esse quadro. Mas ainda são tímidas diante de uma necessidade mais agressiva e global de inclusão.
3. “Economia criativa” é um termo relativamente novo no Brasil, apesar da produção já ser muito rica. Como você percebe o movimento de organização desta indústria? Quais as vantagens essa organização traz para as áreas criativas?
Ao observar alguns setores, noto que existe uma dificuldade de compreensão de como poderia funcionar uma organização. Na moda, atividade largamente associada ao comércio de atacado e varejo, as marcas não se enxergam como parte do segmento. Talvez isso ocorra por serem parte de uma cadeia produtiva muito tradicional e engessada.
O mesmo pode ser dito de outros setores, como a Arquitetura ou o Design. Com a união destes setores em parceiras, acredito que seria possível organizar projetos de educação dos empreendedores e da indústria. E assim, tentar atacar aquelas que são as maiores deficiências da economia criativa no Brasil. Ou seja, a falta de uma cultura empreendedora criativa e a falta de distribuição racional de recursos para estes setores. O que pode ser feito por meio de de iniciativas públicas, ou por meio de investimentos privados.
4. Porque o mercado de economia criativa tem ganhado tanto destaque? Como você vê esse crescimento?
Acredito que isso ocorra graças à iminente obsolescência de setores industriais tradicionais. E também devido ao modelo insustentável de desenvolvimento econômico. Juntos, levam as pessoas para as atividades criativas. Eu sempre digo que a economia criativa é a economia do futuro. Desde que, aliada à economia de compartilhamento. Esta, que é defendida por alguns, como a solução para uma evolução comprometida com a 3a Revolução Industrial, que vivemos.
É natural que um próximo passo seja lutar pela sustentabilidade econômica dos setores criativos. As marcas pequenas do segmento da economia criativa precisam se compreender e serem compreendidas como setores que geram produtos caros. Digo isso, não em termos de custos de manufatura, mas em termos de capital social/simbólico.
A internet abriu campo para uma descentralização. Isto possibilitou o surgimento de agentes criativos, gerando abundantes recursos na internet. Como, por exemplo as produções caseiras. Porém, antes disso, a indústria tradicional se aliou à inovação das empresas de tecnologia (vide Google, Netflix e Spotify). Elas fizeram isso para, de alguma forma, controlar a produção de conteúdo e a remuneração destes. O YouTube já foi uma janela para produtores audiovisuais independentes. Hoje restringe a possibilidade de monetização dos conteúdos. O que tem gerado uma bolha econômica com enorme concentração de recurso em torno de uma quantidade pequena de canais/produtores.
Essa é a lógica tradicional da indústria embotando a economia de compartilhamento. Isto faz com que você precise construir uma audiência surreal. Tarefa cada vez mais difícil diante da inteligência artificial e dos algoritmos.
É urgente, uma união dos setores criativos, entidades e setor público. Isto permitirá pensar em estratégias de regulação e florescimento de novas estruturas econômicas. As quais, de fato, valorizem os produtores de conteúdo criativo, de qualidade, e com valor simbólico inestimável.
5. Você atua diretamente com o polo audiovisual, como você percebe esse mercado em Minas Gerais?
O audiovisual teve crescimento gigantesco nos últimos 20 anos em Minas Gerais. Nossas produções hoje trafegam por TVs públicas e privadas. E também em festivais e salas de cinema, e pelo mercado de vídeo on demand como nunca antes. Ainda é uma presença tímida, diante da concentração de recursos e produção em torno do tradicional eixo Rio-São Paulo. É necessário também compreender que a descentralização é importante. Isto porque ela é um incentivo ao desenvolvimento de criadores em polos do interior. O que ocorre por meio de arranjos produtivos locais, parcerias e editais específicos.
No geral, enxergo de forma positiva o que vem acontecendo por aqui. Mas é preciso ressaltar outro desafio inerente à produção audiovisual. É caríssimo produzir um filme, série ou projeto para TV. Os altos custos do setor exigem um alto padrão de financiamento, público e privado. Mas, no Brasil, o incentivo ao audiovisual vem quase que exclusivamente de iniciativas e editais públicos – federais, estaduais e municipais.
A iniciativa privada, quando se envolve, o faz por meio das Leis e de isenção fiscal. Basicamente, isso significa que para ter um setor audiovisual forte é necessário sempre ampliar os recursos investidos. Caso contrário, a produção estaciona. Diante do atual quadro de austeridade e contenção de gastos públicos vivido pelo Brasil, isso preocupa sobretudo os pequenos produtores. Temos várias perguntas ainda sem resposta. Haverá a extensão de políticas de fomento? Quando a iniciativa privada entenderá que o investimento em audiovisual (quase) sempre tem garantia de retorno, se não financeiro, institucional?
6. O que o crescimento de movimentos como o MAX e o CineBH trazem para o mercado de audiovisual?
Esses eventos fazem a ponte entre produtores locais e players e agentes econômicos do mercado nacional e internacional. Esse movimento é indispensável para a circulação das produções regionais. Em dois anos de MAX, por exemplo, a minha empresa já vê parcerias que foram costuradas ali sairem do papel. E é esse o relato que tenho de outros produtores e colegas. É fundamental a continuidade e ampliação destes projetos.
7. Do ponto de vista da gestão de negócios criativos, como você percebe que empreendedores e empresários da área se organizam?
Como gestor e consultor, eu noto extremas dificuldades em dois pontos fundamentais. O primeiro é a estruturação de projetos e gestão administrativa. Para se estruturar projetos já existem iniciativas, como o Cotools, ferramenta desenvolvida pela Cocriativa, dedicados a auxiliar no processo. Mas a gestão administrativa ainda é um desafio gigantesco.
Não observo muita organização neste sentido. Principalmente porque os gestores criativos de pequeno porte se veem na necessidade de acumular todas as etapas de suas produções. Isso quer dizer que realizam a criação, a produção, a distribuição, a venda e a administração. Esse acúmulo e a falta de recursos para investimento em auxiliares e profissionais mais voltados à área administrativa geram dificuldades. Elas podem, inclusive, levar boa parte dos negócios criativos à falência em poucos anos.
8. Agora uma pergunta que gosto muito de fazer por aqui. Qualquer coisa que uma empresa faça não é exclusivo por muito tempo. Isso também vale para as empresas de economia criativa ou elas conseguem se manter inovadoras devido às características do segmento?
Elas não conseguem se manter inovadoras quando precisam dispender muita energia na criatividade financeiro-jurídica. Este parece ser um dos principais desafios do segmento da economia criativa. Excetuado isso, o caso de empresas que já atingiram uma certa estabilidade comprova muitas coisas importantes. Dentre elas, que é possível, se reinventar frequentemente para oferecer sempre algo relevante ao público e ao mercado.
9. De que forma a tecnologia é utilizada nos negócios de economia criativa? Quais benefícios e dificuldades esse uso traz para o mercado?
A tecnologia é fundamental para o dia a dia dessas empresas. Isto porque utilizam aplicativos de gestão, armazenamento em rede e, claro, as redes sociais. Porém, é necessário compreender os rumos atuais da internet para que os conteúdos não morram. Tenho notado em diversos setores a dificuldade de utilizar, sobretudo as redes sociais, para divulgação, distribuição e venda.
As atuais limitações dos algoritmos beneficiam conteúdos que recebem, de uma forma ou de outra, investimento comercial. O que tem criado uma pirâmide bastante excludente nas plataformas digitais. É o caso de união dos setores e mobilização a partir do ambiente tecnológico-virtual para o contexto presencial, real. No futuro, acredito que retomaremos as ruas, os eventos e espaços culturais como principais fronts de divulgação de nossos trabalhos. Este processo já está em curso. Mas é importante, para todos os setores e, especialmente, os criativos, compreender como a internet e a tecnologia tem funcionado. E como estas tem moldado, nem sempre positivamente, o comportamento social e de consumo em nossa sociedade.
10. Em negócios do tipo comércio ou serviço, é comum os gestores criarem formas de as empresas funcionarem sem eles. Isso é possível nos negócios de economia criativa ou o segmento exige que o dono seja criador?
O dono não precisa ser criador. Mesmo quando o dono é o criador, acredito ser necessário pensar nessa autonomia. Ela permite que as empresas funcionem na ausência de seus gestores. Acho importante que todo negócio criativo tenha, como consultor ou gestor de fato, pessoas comprometidas com a eficiência comercial-administrativa. Hoje em dia, isso nem sempre acontece. O que se reflete no acúmulo que citei anteriormente. No qual o criador precisa se desdobrar em inúmeros profissionais diferentes. E só assim dar conta do recado. Como empresário e criador, sempre fui da opinião que criador foca em criar. Mesmo que mantenha noções mínimas de administração. É melhor que cada profissional se concentre naquilo que faz de melhor. E acredito que isso valha para qualquer segmento.
11. Falar com o cliente em tempos de mídias sociais é sempre um desafio para os negócios. Como isso desafia os negócios de economia criativa?
Eu acho que esse não é o maior desafio para os negócios da economia criativa. Especialmente por aqueles geridos pelos millenials. Temos extrema facilidade e intimidade com as mídias sociais. E, no geral, é possível manter uma comunicação virtual coerente com clientes, fãs e parceiros. E, ainda assim, conseguir acumular nossas funções cotidianas. Guardadas, é claro, as devidas proporções, destacadas acima.
12. Em situação de crise, como a de 2017, qual a forma de se organizar para conseguir parceiros para o desenvolvimento?
A união de forças entre pequenos produtores e o investimento na educação de consumidores, empreendedores e indústria. O que mais afeta o setor criativo, nas crises, é a tendência de redução de investimentos públicos. E também a instabilidade financeira do consumidor, especialmente o de classe média. Nestes momentos, a única alternativa para os criadores é reduzir seus custos de produção. E estes que geralmente já são baixos. E também tentar aumentar a escala de vendas/distribuição. Para isso, os eventos presenciais, as redes sociais e a mobilização física são extremamente importantes.
13. Durante a existência de uma empresa, ela passa por diversas etapas. Na economia criativa, quais são os riscos mais recorrentes que os negócios correm e de que forma é possível reduzi-los?
Em minha opinião, o principal risco é o da falência. Inúmeros empreendimentos demoram a decolar. E ainda que sejam bem-sucedidos institucionalmente, não conseguem manter uma margem de lucro mínima. É sabido que setores como o das pequenas marcas de moda em BH sofrem, generalizadamente, com a crise econômica atual. A frase que mais tenho ouvido nos últimos 2 anos é “está todo mundo quebrado”. Isso reduz o consumo, o investimento, e leva as pequenas empresas criativas a adquirirem dívidas. Não vejo outra saída a não ser as que já destaquei. Ou seja, educação empreendedora, educação do consumidor, educação para o investidor.